Quem piscar primeiro perde, a Venezuela

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Venezuela

Os EUA apertaram ainda mais o cerco à Venezuela na semana passada, anunciando uma chamada “ tarifa secundária” de 25% para qualquer país que compre petróleo da nação sul-americana. A medida parece projetada para aumentar a pressão financeira sobre o regime liderado por Nicolás Maduro, mas, como na maioria das coisas em Washington, o diabo mora nos detalhes, e as ações nem sempre correspondem à retórica.

“O anúncio das ‘tarifas secundárias’ parece não ter o objetivo de cortar as exportações de petróleo venezuelano, mas sim favorecer as vendas para os EUA em detrimento de outros destinos”, escreveu o economista venezuelano Francisco Rodriguez, professor da Universidade de Denver, em uma publicação no X. Ele mencionou o fato de que a Chevron (NYSE: CVX) acabou de receber mais uma prorrogação de um mês após ter sido ordenada a reduzir suas operações no país. Apesar de décadas de relações distantes, os EUA são atualmente o segundo maior importador de petróleo bruto da Venezuela.

“Essa medida funcionará como um embargo nos primeiros meses, em que apenas os EUA comprarão petróleo venezuelano”, disse o diretor da Ecoanalítica, Alejandro Grisanti. As novas sanções, por sua vez, também podem levar a um desconto de 50% nas exportações de petróleo da Venezuela, escreveu ele. Isso é o que se chama de poder de barganha, pelo menos na visão do governo do presidente Donald Trump —com os EUA aumentando seu controle sobre os recursos financeiros de Caracas—mas não espere que Maduro recue nesse cabo de guerra.

Qual é o objetivo final?

Enquanto uma  colisão rumo ao pior cenário possível se desenha, pode ser útil fazer uma pergunta simples: o que cada governo realmente quer?

O grupo de Maduro é fácil de entender. Eles querem permanecer no poder a qualquer custo. Querem manter os generais militares satisfeitos e com financiamento adequado. Querem vender mais um navio petroleiro. Querem extrair mais ouro. Acima de tudo, querem ganhar tempo. Maduro—procurado pelos EUA por conspiração de narco-terrorismo, condenado pela Anistia Internacional por violações de direitos humanos e sob investigação pelo Tribunal Penal Internacional—está encurralado e sem saída. Tenha a certeza de que o grupo que ele lidera lutará até o fim. É o que sempre fizeram.

A posição dos EUA, por outro lado, é bem mais difícil de interpretar. Será que tudo isso gira em torno da migração e de um jogo de gato e rato, trocando mais um mês de exportações da Chevron por alguns voos de repatriação e libertação de reféns? É difícil acreditar nisso, já que logisticamente isso não se sustentaria a longo prazo. Existem quase 600,000 venezuelanos nos EUA que poderiam ser alvo de deportação, e alguns—ou até dezenas—de voos por mês não mudariam significativamente esse quadro. A maioria simplesmente não retornará até que as condições políticas e econômicas melhorem em seu país de origem.

Talvez essa postura seja parte de algum realinhamento do tipo “America Primeiro”, onde a Rússia expande sua influência sobre a Ucrânia, a China aumenta a pressão sobre Taiwan, e os EUA assumem a liderança no Hemisfério Ocidental, mas, novamente, isso parece mais um devaneio do que uma estratégia concreta. O governo tem relações amistosas com outros líderes autoritários ao redor do mundo, então qual seria o verdadeiro problema com Maduro?

Se não for apenas uma jogada para obter petróleo mais barato e uma estratégia política fácil de implementar e que funciona bem entre eleitores do sul da Flórida, uma aposta mais simples poderia ser de que tudo isso se trata de negócios e de que uma Venezuela recuperada seria excelente para a indústria americana. A líder da oposição, Maria Corina Machado, com certeza vem tentando apresentar esse argumento, mas essa visão ainda não se tornou predominante, já que o discurso político continua centrado em migração, gangues e drogas. Talvez alguns estejam apenas buscando o que acham que pode ser uma vitória fácil, apesar das repetidas evidências de que provavelmente não será.

Em meio a essa trama, uma coisa é certa: os venezuelanos comuns terão tempos difíceis nos próximos meses, já que a redução da receita governamental pode ameaçar a importação de alimentos e trazer de volta a economia de escassez que, anos atrás, levou milhões a fugir do país. Esse é talvez o maior paradoxo dos últimos acontecimentos. As autoridades dos EUA querem deter a migração venezuelana para o país, mas as sanções recentes só agravarão as mesmas condições que levaram às partidas em massa em primeiro lugar.

Sanções não funcionam, mas…

Como escreveu recentemente o economista Francisco Rodriguez na Foreign Policy, “as sanções contribuíram para o maior colapso econômico fora de tempos de guerra e para o maior êxodo migratório da história do Hemisfério Ocidental. Elas falharam em retirar Maduro do poder, permitindo que ele reprimisse ainda mais a dissidência e consolidasse seu governo autoritário.” Ele argumenta que os EUA estariam melhor servidos por uma política de “engajamento direcionado” em vez de uma baseada em “pressão máxima”.

Mas é aí que a história pode discordar, e há muitos exemplos. Desde o fracassado “ diálogo ” há onze anos, quando o então líder da oposição Henrique Capriles reduziu a pressão nas ruas para ter a chance de se dirigir à nação na TV estatal às 1h da manhã, até o fracasso do Acordo de Barbados , que levou os EUA a relaxarem algumas sanções e permitirem que a Chevron extraísse mais petróleo em troca da promessa de eleições livres que nunca se concretizaram—Maduro já provou repetidamente que sua palavra não tem valor. Como diz o ditado americano: “Me enganou uma vez, a culpa é sua; me enganou duas vezes, a culpa é minha.”

Todos sabem que as sanções não funcionam, mas relaxá-las também não dá resultado. Maduro já ultrapassou um ponto sem volta há tempos, o que torna qualquer discussão sobre acordos negociados ou compartilhamento de poder uma fantasia.

O caminho à frente

Os EUA, por sua vez, têm um histórico, nos últimos 25 anos, de adotar posturas rígidas contra Maduro—e antes contra seu antecessor Hugo Chávez—para depois recuar no último momento quando as circunstâncias ficam difíceis. Em cada caso, Chávez e, depois, Maduro, saíram ainda mais fortalecidos e enraizados no poder.

“Se você está jogando um jogo pra ver quem é mais corajoso sem ter se comprometido de forma convincente a permanecer no meio da estrada, espere perder de uma forma ou de outra”, escreveu Pierre Lemieux, professor do Departamento de Ciências da Gestão da Universidade de Québec, em Outaouais. “O outro jogador provavelmente não vai desviar; e você terá que desviar, ou senão haverá uma colisão.”

Se o governo atual em Washington realmente deseja promover uma mudança duradoura para melhor na Venezuela, não pode ser o primeiro a recuar novamente. Mas a grande questão é se conseguirá encontrar a disciplina, a paciência e a capacidade de seguir firme diante da narrativa que se formará, envolvendo o sofrimento real do povo venezuelano—um sofrimento que Maduro apenas ampliará para fortalecer sua causa. Afinal, o presidente e sua equipe têm um mundo inteiro onde podem atuar e rapidamente mudar o foco para outro cenário. Comparativamente, Maduro e companhia têm um único objetivo: a sobrevivência.

Os líderes norte-americanos de todas as vertentes que participam da formulação da política americana em relação a Venezuela devem lembrar de dois fatos importantes—seja jogando um jogo pra ver quem é mais corajoso ou até mesmo “xadrez em 4D”—ao planejarem seus próximos passos. O Chavismo nunca teve o hábito de recuar primeiro quando a tensão aumenta, e a Venezuela nunca terá chance de melhorar até que a situação fique insustentável para o regime. Quem piscar primeiro perde.