Milei libera o peso flutuante com a promessa de uma nova era de ouro

O presidente argentino Javier Milei finalmente cumpriu sua promessa de liberar o peso após mais de uma década de um rígido controle de capital—e muito mais rápido do que muitos imaginavam ser possível. É uma medida arriscada que pode aumentar as pressões inflacionárias e testar o apoio ao seu partido antes das eleições legislativas em outubro.
“Deste momento em diante, estamos eliminando os controles cambiais da economia argentina para sempre”, declarou Milei em um discurso nacional na semana passada, no qual descreveu a medida como o último pilar de uma reforma destinada a trazer ordem fiscal, monetária e cambial pela primeira vez em 120 anos. “Após um primeiro ano de trabalho árduo, hoje podemos declarar o processo de estabilização macroeconômica da Argentina completo… removemos o último espinho que causava uma dor profunda.”
O anúncio ocorreu no momento em que a Argentina fechou um acordo com o Fundo Monetário Internacional para um novo empréstimo de US$ 20 bilhões, a ser desembolsado nos próximos dois anos. A liberalização cambial era vista como um pré-requisito essencial para qualquer novo acordo com o credor global de última instância—que já havia resgatado o país 22 vezes antes. A diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, afirmou que o programa representava um “voto de confiança” no governo após um “progresso impressionante na estabilização da economia”. Milei—que assumiu o cargo há 16 meses—adotou medidas controversas passando uma serra elétrica nos gastos públicos, eliminando o déficit fiscal e reduzindo a inflação anual de três dígitos de volta ao patamar de dois dígitos.
As ações sobem à medida que os controles diminuem
Embora tenha defendido anteriormente a dolarização—que nunca se concretizou—o autoproclamado “anarcocapitalista” afirmou que a liberação do peso impulsionaria um fluxo de investimento estrangeiro direto, já que as pessoas só colocam seu capital em risco “quando sabem que terão controle total sobre os retornos.” Os controles cambiais assombram a economia sul-americana desde pelo menos 1985 e, em sua versão mais recente, resultaram em múltiplas taxas de câmbio e em um mercado paralelo de dólares que pode fomentar a corrupção. A Fitch Ratings já havia apontado que empresas, incluindo a Telecom Argentina (NYSE: TEO), Pampa Energia (NYSE: PAM), IRSA Inversiones y Representaciones (NYSE: IRS) e YPF SA (NYSE: YPF), foram prejudicadas pelas restrições.
“A todos os argentinos que trabalham, que economizam, que são empregados ou autônomos, que administram empresas, que assumem riscos e investem—e também àqueles que observam de fora se perguntando se vale a pena apostar na Argentina—eu digo: vejam este governo como um aliado. Vejam isso como uma oportunidade real,” declarou Milei. “A Argentina se tornará a economia de crescimento mais rápido dos próximos 30 anos.”
Os mercados parecem ter gostado do que ouviram, e o ETF Global X MSCI Argentina (NYSE: ARGT)—que acompanha um amplo conjunto de empresas argentinas—subiu 11% nos últimos cinco dias, superando drasticamente o S&P 500 e os ETFs regionais do Brasil (NYSE: EWZ) e do México (NYSE: EWW). No último ano, o fundo argentino registrou um ganho de 57%, em contraste com o retorno de apenas 6% do S&P 500, indicando que as reformas estão surtindo efeito ao longo do tempo. Em uma outra entrevista nesta semana, Milei mencionou que o país está próximo de finalizar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos
Os riscos à frente
Isso não significa que não haverá riscos à frente. A S&P Global já havia destacado anteriormente que a remoção dos controles cambiais poderia levar a uma forte desvalorização da moeda e elevar a inflação, que subiu no mês passado para o maior nível mensal desde agosto passado. Logo após a eliminação dos controles de capital, o peso caiu 10%, atingindo 1.234 pesos por dólar— o que sugere um movimento relativamente moderado. Para efeito de comparação, quando a Etiópia encerrou 50 anos de controles cambiais em julho, o birr – como é chamada a moeda do país do Leste Africano-, perdeu rapidamente 50% do seu valor.
Mas, como dizem, o diabo mora nos detalhes, e mesmo tendo sido dada muita atenção à queda da taxa de câmbio oficial, no mercado paralelo o peso na verdade valorizou 7%. Isso significa que quem precisou recorrer às famosas “cuevas” clandestinas para comprar dólares viu o valor do peso aumentar, o que pode amenizar algumas pressões inflacionárias. O Banco Central da Argentina também implementou algumas proteções, afirmando que o peso poderá flutuar dentro de uma faixa—atualmente entre 1.000 e 1.400 pesos por dólar—que será ampliada em 1% a cada mês. Empresas não poderão repatriar imediatamente os lucros de anos anteriores.
Por sua vez, Milei passou meses tentando convencer os argentinos a enxergarem sua moeda como um verdadeiro instrumento de valor, e afirmou na sexta-feira que a situação fiscal do país pode garantir e sustentar um peso muito mais forte. O chamado Índice Big Mac—que mede os preços do hambúrguer do McDonald’s ao redor do mundo—sugere que o peso pode estar subvalorizado. O famoso sanduíche custa cerca de 7.400 pesos em Buenos Aires, o equivalente a aproximadamente US$ 6. Em Miami, o preço do Big Mac atualmente é de US$ 6,83, o que indica que os argentinos estão pagando menos e reforça a tese de que os preços podem não subir tanto quanto alguns preveem.
Grandes expectativas
“A inflação não tem outro caminho à frente senão o colapso,” afirmou Milei, argumentando que o fenômeno é estritamente causado pelo excesso de oferta—ou impressão de dinheiro, como os críticos costumam chamar. Nesse aspecto, dados recentes apoiam a crença de que o país pode estar prestes a ter um alívio.
“Excetuando-se os mais velhos entre nós, a maioria dos argentinos nunca viu nada parecido,” continuou Milei, descrevendo o início do que ele chamou de uma nova era de ouro. “O que tudo isso significa é que ao remover todos os fatores de risco históricos que tornaram o progresso impossível para os argentinos, finalmente podemos começar a aproveitar, como país, todas as virtudes e vantagens comparativas que já possuímos. Todo o nosso talento, todos os nossos recursos, toda a nossa capacidade de cooperação, nosso esforço e nossa ambição agora encontrarão um caminho aberto, sem os bloqueios dos obstáculos de sempre.”
Essas são declarações ousadas e um discurso clássico do economista que gosta de citar Milton Friedman, mas o verdadeiro teste será transformar vontade em poder. Nos próximos dias, será tão importante observar sinais de novos investimentos estrangeiros quanto o progresso contínuo da tentativa de controle da inflação. Milei finalmente alcançou o santo graal de sua agenda de reformas, e agora é hora de ver se o mundo real corresponderá às suas grandes expectativas—e se os argentinos trocarão os dólares guardados sob seus colchões por pesos que, historicamente, só trouxeram decepções.