O enorme apagão na Espanha reacende o debate sobre a energia nuclear

Um apagão sem precedentes no mês passado na Espanha ainda está sob investigação, com sua causa exata desconhecida. Isso não impediu que se levantassem sérias questões sobre a confiabilidade da rede elétrica do país, que está se voltando cada vez mais para fontes renováveis de energia como painéis solares e turbinas eólicas. O apagão também está levando alguns a reconsiderar a energia nuclear.
“As usinas nucleares são eficientes e seguras, e são a solução menos cara para garantir a estabilidade do sistema e o fornecimento de energia”, disse Ignacio Sánchez Galán, presidente da gigante espanhola de energia Iberdrola (CBOE: IBE), poucos dias depois de todo o país ter sido mergulhado na escuridão em 28 de abril, em algumas áreas por quase um dia inteiro. A empresa possui participação em cinco instalações nucleares no país, todas programadas para serem desativadas até 2035, já que o governo prioriza fontes de energia renováveis.
Embora o governo do primeiro-ministro Pedro Sánchez tenha constantemente declarado que as fontes renováveis não causaram diretamente o apagão, o colapso ocorreu poucos dias após o país anunciar que, pela primeira vez, as fontes de energias limpas abasteceram 100% da demanda nacional, mesmo que apenas temporariamente. Sánchez tem se equilibrado em uma corda bamba, tentando dar respostas sem se desviar demais da agenda verde do governo, que reduziu os preços da eletricidade no atacado em 20% nos últimos três anos, segundo o Centro de Análise de Políticas Europeias (CEPA)
Depois de anos defendendo os benefícios da geração nuclear, que incluem a ausência de emissões de dióxido de carbono, operadores espanhóis como Iberdrola e Endesa (CBOE: ELE) agora enfatizam sua capacidade de fornecimento contínuo de energia, diferente dos picos e quedas que são mais típicos da energia renovável e que podem ocorrer enquanto o sol brilha, ou não, e o vento sopra, ou não. Essas empresas esperam convencer as autoridades do país a estender o cronograma de desligamento e manter a energia nuclear por mais tempo. Enquanto isso, cidadãos irritados com os impactos do apagão — que ainda causa atrasos em trens — estão recebendo uma lição de física.
Turbinas giratórias
Em um apagão de rápida escalada, fontes nucleares — e outras fontes de geração térmica como as usinas a gás natural — podem desempenhar um papel fundamental na restauração da estabilidade da rede devido à inércia cinética, ou de forma mais compreensível, a energia que é armazenada em grandes turbinas rotativas, mesmo que apenas por alguns segundos. O Laboratório Nacional de Energias Renováveis do Departamento de Energia dos EUA alertou sobre o risco de queda na confiabilidade da rede à medida que fontes baseadas em inversores, como vento, energia solar fotovoltaica e armazenamento em baterias, substituem fontes tradicionais que não oferecem uma barreira de segurança baseada em movimento.
“A rede elétrica se parece um pouco com um castelo de cartas”, afirma o blog Practical Engineering. “Não significa que seja frágil, mas se tudo desmoronar, você precisa reconstruí-la carta por carta, recomeçar do zero. Restaurar a energia após um grande apagão é uma das operações mais críticas que se pode imaginar.”
No momento do apagão na Espanha, a energia eólica e solar representavam cerca de 70% do consumo elétrico. A ministra da Energia, Sara Aagesen, afirmou que as fontes renováveis não foram culpadas, e que “milhões de bits de dados” estão sendo analisados em uma “investigação extremamente complexa.” A operadora da rede, Red Eléctrica (CBOE: REE), que no ano passado já havia alertado sobre o risco de interrupções no fornecimento de energia devido à crescente predominância das fontes renováveis, aumentou a capacidade de geração a gás natural desde então.
O debate sobre a energia nuclear pode se estender além da Europa, países que anteriormente desejavam fazer uma transição, deixando de lado essa tecnologia devido aos riscos de radiação e armazenamento de resíduos, parecem estar reconsiderando. A Dinamarca, por exemplo, já está estudando o fim da proibição de 40 anos ao desenvolvimento nuclear, com o ministro da Energia, Lars Aagaard, afirmando que o país está especialmente interessado em analisar reatores modulares pequenos. A maioria das novas instalações nucleares em construção está localizada na Ásia, e a possibilidade de um renascimento na Europa e nas Américas tem deixado os investidores salivando.
O mercado nuclear aquece
A Constellation Energy (NASDAQ: CEG), que opera a maior frota de usinas nucleares nos EUA, viu suas ações subirem 51% no decorrer do último mês, superando o índice S&P 500 em mais de três vezes. O aumento se estendeu a empresas menores que prestam serviços ao setor. A Cameco Corp (NYSE: CCJ), uma das maiores produtoras mundiais de urânio usado para abastecer reatores, teve alta de 28%, enquanto a Centrus Energy (NYSE: LEU) — que também fornece combustível nuclear — disparou 51% e a Uranium Energy (NYSE: UEC) aumentou 10%.
No decorrer desse mesmo período, a GE Vernova (NYSE: GEV), a Nuscale Power (NYSE: SMR) e a Oklo (NYSE: OKLO) cresceram 40%, 74% e 83%, respectivamente.
Apesar do entusiasmo, uma verdadeira retomada — embora possível — provavelmente ainda levaria anos. Grandes usinas podem levar décadas para serem projetadas, licenciadas e construídas, enquanto a indústria envolvida com os reatores modulares menores ainda está em fase inicial e pouco testada. Além disso, qualquer acidente, em qualquer lugar do mundo — como o desastre de Fukushima Daiichi em 2011 — pode reacender rapidamente o escrutínio político, com a mesma rapidez que o otimismo atual se fortaleceu.
O ceticismo persiste
“A energia nuclear deve atingir um novo recorde em 2025 e pode melhorar a segurança energética à medida que a demanda por eletricidade acelera – mas custos, atrasos em projetos e financiamento precisam ser resolvidos”, afirmou a Agência Internacional de Energia no início deste ano, acrescentando que o investimento anual no setor precisa dobrar para US$ 120 bilhões até 2030 e dizendo que os governos não poderão fazer isso sozinhos.
O apagão espanhol deu ao lobby nuclear um argumento turbinado sobre a estabilidade da rede, mas o caminho à frente é longo — e caro. Empresas fornecedoras de sistemas nucleares de ponta podem ver oportunidades financeiras, mas as grandes concessionárias que operam essas usinas enfrentam gastos elevados que podem fazer os acionistas sentir calafrios. O CEPA, por sua vez, permanece cético quanto à ideia de que a energia nuclear é a chave para a confiabilidade da rede, apontando soluções como as implantadas na Austrália Meridional que permitem à região operar com 70% de fontes renováveis de forma segura.
“O apagão espanhol foi uma falha de gestão, não de tecnologia”, escreveu Enrique Dans, pesquisador do CEPA e professor da IE University em Madri, esta semana. “A energia nuclear não é uma solução; o que precisamos é de uma reforma das nossas redes elétricas.”